A cada dia que passa, escrevemos menos à mão e digitamos mais com a popularização dos smartphones e dos aplicativos de mensagens de textos, passamos o dia digitando, às vezes arrastando os dedos pela tela e não mais clicando nas letras, sem prestar muita atenção na ortografia e na acentuação, já que o corretor automático do celular corrige, quando não substitui as palavras que queremos escrever.
Nasci no final da década de 1980 e, na escola, já nos anos 90, tive os famosos – hoje não tão famoso assim – cadernos de caligrafia. Nunca fui muito fã deles, confesso; quando peguei catapora então… Minha professora me fez preencher páginas e páginas das aulas de caligrafia que perdi nos quase dez dias de molho em casa. Nessa ocasião, detestei meu caderno de caligrafia e aquelas linhas apertadas; alcançar as linhas de cima e de baixo, escrever com calma, sem pressa, prestando muita atenção.
No cursinho, meu professor de Produção de Texto chamou a minha atenção para o meu “a” e o meu “o”, pois eles se pareciam muito e isso, segundo ele, poderia me prejudicar quando o corretor fosse ler minhas respostas de questões discursivas ou uma redação, inclusive no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), já que eu prestei as edições 2004 e 2005. Lá fui eu, de novo, prestar atenção à minha letra.
Minha mãe acha minha letra infantil, colegas de trabalho pensam que ela é “didática”; uma vez ou outra um aluno pergunta o que escrevi na lousa. Na faculdade, como todos os trabalhos eram entregues digitados e poucos professores aplicavam provas, ninguém nunca me falou algo a respeito da minha letra.
Porém, nada como o tempo e como estar do outro lado, o lado negro da força de ser professor e justamente professor de redação. Hoje vejo a importância do aluno, no Ensino Fundamental I, escrever em um caderno de caligrafia e de ter pais e professores atentos à sua coordenação motora fina, até porque letra ilegível pode ser sinal de problemas.
A cada dia que passa, mais alunos entregam redações e provas com respostas escritas com letras ilegíveis. Não me refiro às letras “bonitas” ou “feias”, pois senso estético varia de pessoa para pessoa e uma letra considerada “feia” pode ser totalmente legível; refiro-me àquelas letras que temos de nos esforçar para ler, como mostra o exemplo a seguir:
O professor, ao tentar ler a resposta do aluno, até infere o que este quis escrever, pois ele sabe o gabarito da prova que elaborou, mas o correto é o aluno escrever com letra legível. Caso eu fosse dissertar sobre a melhor resposta possível, retomando a pergunta, obviamente iniciando com letra maiúscula, pontuando, acentuando dentre outras coisas, daria mais um texto.
Esta professora, apesar de, depois de muito pensar, entender que o aluno respondeu assertivamente à questão, a considerou errada, pois este esforço não é condizente. Ela perguntou minha opinião e eu respondi que se este aluno tivesse escrito assim em um vestibular, no qual o corretor corrige centenas de questões discursivas diariamente durante a correção, as chances de ele ter esta questão considerada errada seriam enormes, pois o corretor não tem tempo de tentar entender o que o candidato escreveu.
Muitos alunos escrevem com letra ilegível por pressa ou até preguiça, pois a maioria faz tudo correndo para acabar logo, numa ansiedade tamanha! Porém, letra ilegível também pode ser sinal de um transtorno de aprendizagem denominado “disgrafia“, que afeta a capacidade de a pessoa escrever ou simplesmente copiar letras e números. Segundo neurologistas, a criança já nasce com disgrafia, mas, obviamente, é apenas na idade escolar que ela será notada, após o processo de alfabetização, nos ensinos Fundamental II ou Médio.
Letras irregulares, palavras que “flutuam” nas linhas, o jovem que não consegue escrever sem linhas, em um papel liso ou que não consegue obedecer às margens do caderno, escrita lenta são alguns sinais ligados à disgrafia, que deve ser tratada por uma equipe multidisciplinar (fonoaudiólogos, psicopedagogos, terapeutas etc.) que esteja em contato com a escola.
Deste modo, toda atenção à letra é fundamental ao longo de toda a trajetória escolar da criança e do adolescente. Caso você, candidato do ENEM ou de outro vestibular, ache necessário, procure um especialista e, para todos, calma e atenção na hora de escrever, pois, infelizmente, o corretor da prova não pensará duas vezes antes de pular a palavra não compreendida, prejudicando sua nota na redação ou nas questões discursivas. É como eu digo: ele não ligará para você perguntando o que você escreveu.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
Fonte: https://www.infoenem.com.br/redacao-no- enem-importancia- da-letra- legivel/