Ensinar a aprender

O professor entra na classe, pede silêncio e começa a expor a aula do dia no quadro negro. O burburinho vai esmorecendo, os estudantes tiram os materiais escolares das mochilas e as mãos começam a trabalhar. É essa dinâmica tradicional da sala de aula – cujas raízes históricas remontam à Idade Média – que a aprendizagem ativa quer transformar. “As metodologias ativas são concepções de ensino baseadas no princípio do aluno como um impulsionador da aprendizagem. O sujeito passa a ser desafiado para que ele próprio busque respostas aos problemas de conhecimento”, esclarece a professora Joana Romanowski, do Fórum de Licenciatura das da PUC-PR.

A mudança vem ocorrendo na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), desde o ano passado, quando a instituição incluiu metodologias pedagógicas inovadoras nas grades curriculares dos cursos de Educação Superior, resultado de uma parceria com o Consórcio STHEM Brasil – Laspau. A organização reúne 43 instituições de Educação Superior do Brasil, que têm aderido à metodologia da aprendizagem ativa em suas graduações.

Nos cursos de licenciatura e pedagogia, o conceito de aprendizagem ativa adquire uma dimensão metadidática: o futuro professor experimenta a inovação metodológica como aluno, tornando-se capaz de reproduzi-la quando for a vez dele à frente de uma sala de aula. “A sociedade demanda um novo professor de Educação Básica. Não queremos cidadãos passivos, sem crítica e, por isso, não é possível ter professores que se contentem com respostas prontas, mas que estimulem perguntas”, pondera Priscila Ximenes, professora da Escola de Educação e Humanidades (EEH) da PUC-PR e uma das responsáveis por oficinas de metodologias ativas.

No ano passado, um projeto-piloto foi implementado nas disciplinas de Fundamentos da Educação e Fundamentos da Aprendizagem da EEH, no campus de Curitiba. Durante as aulas, são trabalhadas abordagens como a de aprendizagem por projetos (alunos aprendem a teoria por meio de uma situação prática) e aprendizagem por pares (alunos aprendem com a interação entre os colegas). A experiência foi citada como destaque inovador na Pesquisa Formação de Professores no Brasil, realizada pelo Todos Pela Educação, com apoio do Itaú BBA e do Instituto Singularidades, e que teve coordenação do professor e cientista político Fernando Luiz Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Apesar do curto período de tempo em que a metodologia está em prática na PUC-PR, os licenciandos já sentem o impacto das inovações. “A palavra que está no centro é autonomia. Essas metodologias me fazem perceber a importância de deixar o aluno seguir o próprio caminho, sendo o professor um acompanhante na definição desses rumos”, pondera Hiroshi Okada, estudante do 3º período do curso de Filosofia, que pretende seguir carreira como professor do Ensino Médio e pesquisador.


O aluno no centro

A aprendizagem ativa ou colaborativa utiliza práticas de ensino que colocam o aluno no centro do processo, impelindo-o à ação: em vez de texto na lousa, leitura prévia da temática da aula em casa; em vez de resolução de questões individuais, discussões em grupo; em vez de teoria, casos reais. A ideia não é nova e já é praticada na área da saúde há muitos anos.
Um dos desafios dessa prática pedagógica que demanda bastante do graduando é a resistência natural, em função do costume com a metodologia tradicional. “Chegamos à universidade pouco familiarizados com a autonomia e quando nos deparamos com um professor nos dando espaço para atribuir as próprias notas e desenvolver projetos próprios, há resistência”, comenta Okada que, egresso da escola pública, encarou os novos formatos ainda no primeiro ano da graduação.

Apesar disso, o futuro docente conta que, depois de um tempo, a turma entrou no ritmo e o senso crítico de todos melhorou. Elisângela Manffra, coordenadora do Centro de Ensino e Aprendizagem (CreARe), órgão responsável pelo desenvolvimento e aplicação de metodologias ativas na PUC, destaca a dimensão positiva desse modelo. Para ela, o aluno aprende a aprender. “Em aulas tradicionais, é comum o aluno pensar que estava aprendendo, mas na hora de mobilizar o conhecimento ele trava”, explica a professora.

As aulas expositivas, de qualquer maneira, vêm perdendo terreno pedagógico frente à realidade de fácil acesso ao conteúdo. “A aula expositiva dá a noção que o professor tem o poder sobre o conhecimento, mas isso perdeu sentido uma vez que os estudantes podem acessar o conhecimento de várias formas via internet”, afirma Elisângela.

Vidal Martins, pró-reitor de graduação da PUC-PR, explica que a perspectiva da instituição é formar profissionais preparados para a vida profissional real, que é imprevisível. “Os estudantes das graduações são adestrados para reagir a situações conhecidas, mas na vida real as situações não serão conhecidas. O aluno tem de ter capacidade de se adaptar e de resolver as adversidades”. No caso dos futuros professores, pontua Daniele Saheb, coordenadora do curso de Pedagogia, a aplicação de diferentes metodologias de ensino na formação inicial resulta em um docente inovador. “Várias pesquisas têm mostrado que os estudantes ouvem falar de interdisciplinaridade, inovações e metodologias ativas. Mas como eles nunca vivenciaram, não conseguem colocar em prática. Eles continuam reproduzindo o que, em geral, a universidade faz, ou seja, uma Educação mais centralizadora”.


Diferentes formas de ensinar

Aline Santos não pensou duas vezes para se inscrever na nova disciplina eletiva da EEH: Metodologias Ativas, que neste ano passou a integrar a grade curricular da instituição. Apaixonada pelo ensino, a estudante de Letras ficou empolgada com a perspectiva de aprofundar a experimentação com novas formas de ensinar e aprender. “Durante as aulas, ao mesmo tempo em que aprendemos, colocamos em prática”, revela Aline, explicando que as aulas combinam diferentes métodos como discussões em grupo, exposição oral, uso de tecnologias.

Com o sonho de atuar na escola pública (porque é onde ela sente que pode ajudar), Aline explica a importância do estudo de diferentes abordagens. “Gosto muito da aprendizagem colaborativa, dos métodos alternativos ao tradicional. Principalmente porque, em português, os alunos ainda têm aquela visão de que o professor vai entrar na sala de aula e jogar uma gramática na mesa”, brinca.

Apesar da impressão positiva, a jovem pondera que metodologias inovadoras e tradicionais devem andar de mãos juntas na graduação. “Eu tive muitas disciplinas que envolveram a estrutura da língua como sintaxe e morfologia e sentia a necessidade de ouvir o professor por mais de uma aula”. Bolsista no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), Aline atua no chão da escola desde o início do curso, há quatro anos. Ela também já passou pelo estágio obrigatório da PUC e garante que o melhor modelo de estágio é aquele que dá o maior tempo possível de contato com a sala de aula. “O estágio da PUC é ótimo, mas o tempo é muito limitado”, pondera a jovem. “O Pibid dá oito horas semanais para prática, o estágio dá 45 minutos”. A proximidade com a sala de aula permite que a graduanda teste diferentes formas de ensinar. Recentemente, junto à turma do 8° ano do Colégio Estadual Luiza Ross, em Curitiba, ela testou a aprendizagem por pares. “Temos um projeto que trata da identidade curitibana por meio das obras de Dalton Trevisan. Eu apresentei para eles o que a gente ia trabalhar e perguntei o que eles pensavam sobre o conceito de identidade cultural. Pedi que conversarem entre si e depois socializamos as reflexões. Deu muito certo.”


Novas metodologias, novos desafios

“A PUC quer que o estudante saia com uma compreensão da importância e do papel do educador, que ele consiga desenvolver na prática o que ele aprendeu aqui”, explica Daniele. “E há uma relação direta disso com os estudos das metodologias ativas”. Contudo, o sucesso da aprendizagem ativa requer a adequação das estruturas dos cursos. Além dos currículos, é preciso rever os papeis de professores e alunos: o professor acadêmico guardião do saber sai para dar lugar ao professor articulador de reflexões dos estudantes e a descoberta dessa nova identidade nem sempre é tranquila. “Há professores que são muito bons nos métodos tradicionais e, com as novas metodologias, podem sentir uma queda no desempenho, eles podem ficar inseguros”, pontua Elisângela.

Há ainda uma mudança na lógica de transferência de informação que pauta as avaliações tradicionais. “Paulo Freire chamava isso de modelo bancário, onde você deposita informação e depois tenta extraí-la em uma prova”, sintetiza Martins. “Não adianta propor novas metodologias de ensino e continuar avaliando pela memória. É preciso avaliar esse aluno em performance. Contudo, o desafio é que precisamos continuar conversando com um sistema que avalia por múltipla escolha”, aponta.

Todas essas transformações demandam uma mudança cultural na comunidade acadêmica, e uma formação profissional totalmente reformulada levará no mínimo 10 anos, é o que acredita o pró-reitor. A previsão é que as primeiras experiências de avaliação por competências na PUC ocorram em 2017, por meio de projetos-piloto.

Para fortalecer as mudanças metodológicas da instituição, além de envolver a comunidade acadêmica nesse processo, a PUC tem apostado no diálogo e fortalecimento dos atores pedagógicos estratégicos: decanos das escolas e coordenadores de cursos, além dos órgãos como os Núcleos de Excelência Pedagógica (NEPs), o Centro de Ensino e Aprendizagem (CreARe) e o Fórum de Licenciaturas.

Todas as lideranças da universidade já passaram por formações dadas por oficinas da STHEM – Brasil ou pelo CreARe e o processo deve ser concluído com a capacitação de todos os docentes até o final deste ano. “O professor da PUC é autônomo também para fazer a inovação, o docente pode definir quais são as metodologias mais adequadas às naturezas dos cursos, não há imposição”, explica Priscila.

A professora Joana salienta que a metodologia não deve provocar um rompimento radical com concepções mais tradicionais de ensino. “Os alunos não definem o currículo. Inverte-se o processo do método (com maior articulação dos alunos), mas não se inverte o processo da decisão, que ainda é do professor”.


Vocação docente

“As licenciaturas nasceram com a PUC”, explica a professora Joana. Desde o ano passado, a instituição vem pensando em uma nova formulação para as licenciaturas se adequarem à resolução nº2 do Conselho Nacional de Educação (CNE), de julho de 2015, que prevê o aumento de carga horária destinada às atividades pedagógicas. Mas a preocupação com a vocação docente é ainda mais antiga. Em 2011, a universidade criou a Escola de Educação e Humanidades para dar ênfase à formação de professores articulados aos direitos humanos.

Além disso, não existe a dicotomia entre bacharelado e licenciatura, pois ela é compulsória. “Não temos a ideia de que primeiro tem que ser um bacharel para depois ser professor. Não, ele é um professor que pode vir a ser um profissional de outras áreas”, resume a educadora.

O Fórum de Licenciaturas é outro espaço que fortalece essa perspectiva. Em ação desde 2003, o órgão estabelece discussões acerca de temáticas de aperfeiçoamento para os cursos que formam professores. Inclusive, tem sido uma plataforma de debates sobre a aplicação das metodologias ativas no projeto institucional da PUC-PR. “A expectativa é que a concepção de metodologias ativas seja trabalhada com os alunos em forma de disciplina ou como eixo em uma das disciplinas, de maneira que o aluno possa se apropriar do processo enquanto análise crítica”.


Consórcio STHEM-Laspau

A sigla em inglês STHEM (Science, Technology, Humanity, Engineering and Mathematics), Ciência, Tecnologia, Humanidades, Engenharia e Matemática, faz referência às áreas da Educação Superior que a nova metodologia quer revolucionar por meio da capacitação dos docentes acadêmicos.
O Instituto Laspau – Programa Acadêmico e Profissional para as Américas -, por sua vez, foi fundado em 1964. A organização ligada à Universidade Harvard, nos Estados Unidos, tem como missão fortalecer a Educação Superior no Hemisfério Ocidental e também difundir novas metodologias para a formação de profissionais.

Formação docente em Curitiba
Pricilla Kesley, do Todos Pela Educação – de Curitiba

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