Especialistas defendem o cumprimento do corte etário em favor do desenvolvimento infantil.
Por Letícia Larieira
As resoluções nº 1 e nº 6, de 2010, elaboradoras pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), estabeleceram diretrizes para a implantação do Ensino Fundamental de nove anos e determinaram a idade mínima para a matrícula dos alunos em cada etapa. Definido como quatro anos para Pré-escola e seis anos para o primeiro ano do Ensino Fundamental, completos até o dia 31 de março do ano de matrícula, o corte etário gerou controvérsia e foi parar no Supremo Tribunal Federal, que ainda analisa o tema.
Buscando a preservação integral da infância, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição de 1988, as resoluções do CNE resultam do debate entre movimentos ligados à Educação e especialistas. As diretrizes se preocupam em garantir esses direitos, uma vez que regulamentam os órgãos responsáveis por oferecê-los.
Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional e professora nas Faculdades Integradas Rio Branco, afirma que a decisão em definir as idades mínimas em quatro e seis anos não é arbitrária, mas fruto de estudos relacionados ao desenvolvimento infantil. Segundo a jurista, “existe uma razão para as crianças de quatro e cinco anos de idade estarem na Educação Infantil, com um fazer diferenciado, e para as crianças com seis e sete anos estarem no Fundamental, com uma visão mais conteudista e com tempos diferentes; essa estrutura educacional não é aleatória, ela é lastreada na psicologia do desenvolvimento”.
O lúdico para o desenvolvimento
Depois da formação do cérebro infantil, que geralmente ocorre até os dois anos de idade, as crianças passam por um período de elevação do potencial cognitivo, entre os três e seis anos de idade. Nessa fase, ocorre uma forte maturação cerebral, permitindo que sejam adquiridas habilidades para toda a vida, essenciais à escolarização, como o desenvolvimento da coordenação motora, a interpretação de símbolos visuais e a construção e identificação do corpo.
Obrigatória para crianças com quatro e cinco anos, a Educação Infantil deve ter currículo flexível e um ambiente acolhedor que promova as relações sociais entre as crianças. De acordo com Luciana Barros de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, a elevação da capacidade de aprendizagem da criança nessa fase deve ser explorada e estimulada por um ambiente escolar lúdico e o estímulo aos primeiros conteúdos escolares, sempre acompanhados de atividades mais criativas. Conforme afirma a pedagoga, “A Pré-escola deve ser permeada pelo ensino dos primeiros conceitos matemáticos, como a noção de espaço e quantidade, atividades de reconhecimento e escrita do nome próprio das crianças e reconhecimento de números e cores, entre outras”.
Outro fator essencial dessa etapa de escolarização é entender que, para a criança nessa idade, tudo é brincadeira. Portanto, uma atividade que tenha um objetivo de aprendizagem, estruturada de outra forma que não a lúdica, não fará o menor sentido para a criança. De acordo com Irene Maluf, pedagoga e coordenadora dos cursos de especialização em Neuroaprendizagem e Psicopegagogia do Grupo Saber Cultura , o ambiente escolar estimulador e lúdico é fundamental para o desenvolvimento das crianças nessa fase da vida. Irene diz que os benefícios dessas atividades podem ser vários, como o de “aumentar a capacidade de raciocínio, de concentração e de adaptação a diferentes situações, além do desenvolvimento do respeito às normas e aos demais colegas”.
Diferente do ambiente lúdico proporcionado pela Educação Infantil, o Ensino Fundamental, desde que respeitada uma fase de transição, caminha para uma organização mais pautada na disciplina, na avaliação individual e no currículo baseado em distintas áreas de conhecimento. Nessa nova etapa, a criança desenvolve ainda mais a capacidade de concentração e de realização de atividades, aprende a organizar o próprio espaço e material e começa a ter mais domínio de si perante os demais colegas.
Ana Lucia Hennemann, especialista em Neuropsicopedagogia, defende que quando a experiência da criança durante a Educação infantil não é bem vivenciada, criam-se lacunas, podendo prejudicar o desempenho na próxima etapa. “Os primeiros anos de escolarização ajudarão a criança a desenvolver habilidades motoras, sociais e espaciais; assim, quando chegar ao primeiro ano do Ensino Fundamental, ela será capaz, por exemplo, de respeitar o professor em sala de aula, concentrar-se em atividades de avaliação escrita e até lidar com situações mais corriqueiras do dia a dia escolar, como a organização dentro do espaço do caderno”, afirma a especialista.
A conta do atraso
Com o objetivo de fazer com que a criança não perca o ano escolar ou por considerá-la apta para avançar para a próxima etapa, muitos pais insistem que o filho seja matriculado antes da data do corte etário. Porém, como defende Luciana, esperar que a criança complete seis anos para matriculá-la não causará nenhum prejuízo à aprendizagem, pelo contrário. Segundo a psicopedagoga, “a criança deve vivenciar cada etapa de acordo com a faixa etária e com atividades direcionadas para aquele período específico; respeitado esse percurso da aprendizagem, ela provavelmente terá um desempenho mais satisfatório ao longo da vida escolar”.
Ana Lúcia considera fundamental o apoio dos profissionais de Educação nessa avaliação de competências; a escola, espaço de convivência social da criança, pode ter uma visão diversa da que os pais têm do filho em casa. Segundo a especialista, “professores e gestores precisam estar preparados para tranquilizar os pais que desejam que o filho avance antes da hora, sinalizando que a criança ainda pode não apresentar as condições para isso”.
Em tempos modernos, marcados pela cultura do imediatismo, a pressa em concluir etapas afeta também a infância e pode ser sentida a longo prazo. Além das lacunas de aprendizagem e habilidades congnitivas observadas mais tarde de maneira sutil, a aceleração pode ter efeitos mais práticos. Como exemplifica Hennemann, “uma criança que entra muito cedo no Ensino Fundamental pode acabar o Ensino Médio muito cedo, com 16 anos; esse jovem ainda será imaturo para lidar com as questões da vida adulta e essa lacuna será ocasionada por ter pulado uma etapa”.
Quanto aos pais, compreender a fase de desenvolvimento pela qual o filho está passando e ter paciência quanto à vida escolar é fundamental durante a infância. De acordo com Luciana, “essa transição pode ser um momento para a família saber esperar e respeitar cada etapa de aprendizagem de desenvolvimento do filho”.
Fonte: http://www.todospelaeducacao.org.br/reportagens-tpe/34589/aprendendo-em-cada-etapa/