Na Europa e nos Estados Unidos, grupos de pesquisa que se dedicam ao estudo das tendências em tecnologia educacional destacam a educação personalizada como uma das principais tendências para a educação nas próximas décadas. Essa previsão pode ser encontrada em dois documentos norteadores das políticas e das pesquisas para o avanço da educação, especialmente no que concerne à inserção de tecnologias digitais no processo de ensino e de aprendizagem, a saber: o relatório europeu A vision and strategy for technology enhanced learning: report from the STELLAR Network of Excellence e o relatório norte-americano A roadmap for education technology (BONACINA; BARVINSKI; ODAKURA, 2014).
Sua relevância se justifica porque a educação personalizada maximiza as possibilidades de aprender que são necessárias à formação humana, com ou sem tecnologia digital, para pessoas com ou sem deficiência, em todos os níveis e modalidades de ensino. Parte-se da premissa de que a educação deve contribuir com o desenvolvimento humano em seus múltiplos aspectos, sejam eles, cognitivos, sociais, políticos, culturais etc., a fim de assegurar a construção de competências e habilidades fundamentais ao protagonismo social. Busca-se, a partir disso, minimizar ou superar as limitações biológicas e sociais dos estudantes, promovendo o desenvolvimento da autonomia, autogestão e metacognição, sobretudo.
A educação personalizada reconhece o estudante como uma “[…] pessoa ativa, como um sujeito que destacamos de uma comunidade para, de algum modo, comprometê-lo e enobrecê-lo em um processo contínuo de superação e progresso” (ESCOBAR, 1996, p. 15). Ela contempla os estudantes na diversidade, considerando, minimamente, suas possibilidades e potencialidades de aprender, assim como as múltiplas formas de experienciar o saber, recusando a homogeneidade do processo de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, a educação personalizada reconhece que todos os estudantes, com ou sem deficiência, têm perfis de aprendizagem diferenciados, que requerem da escola processos de ensino e de aprendizagem criativos e inovadores.
Nessa direção, a UNESCO (2011, p. 5, tradução nossa) afirma que
o aprendizado personalizado requer atenção às necessidades únicas de todos os alunos, de todas as habilidades, reconhecendo que cada um tem diferentes estilos de aprendizagem, incluindo alunos com deficiências leves, moderadas ou graves. O uso da tecnologia na educação desempenha um papel particularmente importante ao permitir o desenvolvimento flexível do currículo e ajudar os alunos com deficiência a participar como iguais na experiência de aprendizagem. Também ajuda a prepará-los para a aprendizagem, recreação e trabalho ao longo da vida fora da escola.
Para que isso ocorra, há de se considerar o desenvolvimento de um projeto pedagógico claro e objetivo com vistas a possibilitar, com equidade, oportunidades e desafios para todos os estudantes. “É importante que o uso da tecnologia para a aprendizagem não contribua de forma alguma para replicar qualquer forma de estigmatização e rotulagem que possa ser encontrada em outras partes da sociedade” (UNESCO, 2011, p. 13, tradução nossa). Trata-se de propor situações de aprendizagens equânimes, que rejeitem quaisquer discriminações, e que os estudantes participem não como iguais, pois não são, mas, sobretudo, como sujeitos com diferentes perfis de aprendizagem, que têm iguais direitos à educação.
Há que se ressaltar que a personalização do processo de ensino e de aprendizagem demanda dos professores e profissionais da educação, em geral, competências teóricas e metodológicas para compreender e conceber a ação educativa personalizada. Isso se justifica porque ensinar e aprender, a partir da personalização, requer ambientes cujas oportunidades sejam justas e acessíveis a todos, sem preconceito e acepção de pessoas. A educação personalizada, mediada por tecnologias digitais ou não, desempenha um papel importante na inclusão dos estudantes com deficiência. Assim, a inserção de tecnologias digitais na educação não deve oportunizar a estigmatização e a rotulagem, mas ser um recurso capaz de ampliar entre os estudantes as possibilidades de aprender, de se socializar e de colaborar.
Portanto, os ambientes aprimorados por tecnologias digitais oferecem ricas possibilidades de adaptação e otimização da aprendizagem, levando em consideração os diferentes níveis de conhecimento dos estudantes, seus interesses e suas experiências com as tecnologias. Eles podem, de alguma maneira, reconhecê-las e usá-las em favor de sua aprendizagem (SUTHERLAND; EAGLE; JOUBERT, 2012). Assim, há de se considerar que a educação personalizada perpassa a formalidade dos conteúdos escolares e inclui o desafio de construir, coletivamente, as capacidades de preparar os estudantes para as aprendizagens desenvolvidas durante toda a vida, considerando que a educação corresponde a processos que permeiam a escola e estendem-se ao longo da existência humana.
Com isso, busca-se o desenvolvimento de aprendizagens autênticas e contextualizadas, das quais os estudantes sejam protagonistas, capazes de gerenciar seus estudos e, sobretudo, a sua vida, compreendendo e responsabilizando-se pelos avanços e pela estagnação de seu desempenho. Cria-se, pois, a oportunidade de desenvolver nos estudantes habilidades e competências relacionadas à colaboração, à criatividade, à curiosidade, entre outras, postas, prioritariamente, a serviço de seus interesses. Assim, considerando os perfis, os ritmos e as preferências dos estudantes, atinge-se o cerne da ideia de educação personalizada, que tem como centro a formação humana em sua complexidade.
https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/43799/html
Trecho extraído do artigo O que é educação personalizada, afinal? de Afonso Barbosa de Lima Júnior e Lebiam Tamar Gomes Silva, publicado em 30 de setembro de 2021 pela UFPB