A educação do caráter e das emoções – entrevista Carlos Beltramo

“O que se necessita em sala de aula é a educação do caráter, que inclui a educação das emoções como um dos seus pilares”

Carlos Beltramo

Carlos Beltramo recentemente publicou o livro Apaixonados pelo Mundo – A Educação do caráter e das emoções nas novas gerações.

O livro aborda os aspectos mais importantes da Pedagogia da Integração da Pessoa Humana, que consiste em entender a pessoa como um ser formado por várias dimensões: física, psicológica e espiritual, com projeção social. De acordo com o autor, através de uma educação que vise o equilíbrio desses aspectos da vida humana, as crianças podem alcançar a virtude e a felicidade, convivendo de uma forma sadia, em todos os momentos, com o colorido das emoções.

Estudioso da ‘Educação da afetividade e da sexualidade humana’ no Instituto de Cultura e Sociedade (ICS) da Universidade de Navarra, Beltramo respondeu à entrevista que se segue.

E: A que o senhor se refere com o conceito Integração?

B: Muito se fala sobre Integração, mas nem todos a entendem da mesma maneira.  Existe um consenso de que Integração é uma unidade formada por partes. Integração, é, assim, a formação de um novo ente, através da união de diversos entes.  Falo em ente, porque essa ideia pode ser aplicada a diversas áreas, desde um aparelho eletrônico com circuitos integrados, a um corpo social no qual um estrangeiro se integra, e a muitas outras situações e circunstâncias.  

No caso da ética e da antropologia que guiam a nossa proposta, a Integração se refere à unidade e equilíbrio sistêmico das dimensões humanas.

E: Como se aplica o conceito de Integração à pessoa?

B: O ser humano é uma unidade com dimensões que tem que “integrar-se na ação”.  As dimensões às quais nos referimos são a dimensão física, psicológica e espiritual, e a dimensão social. É a forma como essas dimensões se relacionam entre si que forma o caráter. Trata-se, portanto, de entender de que maneira o equilíbrio entre as diversas dimensões fortalece o caráter e possibilita a virtude. Dizemos que uma pessoa integrada reconhece que tem diferentes dimensões e em sua conduta pode alcançar a harmonia, de forma que a unidade prevaleça sobre as partes, sem negar sua existência. Essa força que a pessoa adquire ao estar integrada em suas dimensões, é que o que se chama Virtude.

E: Como se põe em prática a integração?

B: Costumo usar uma imagem para ilustrar as dimensões da pessoa: uma pirâmide que está em contínuo movimento. Cada vez que a criança/pessoa realiza um ato bom, como fazer a cama por exemplo, a pirâmide das emoções se acomoda um pouco mais, se ordena. E como está mais ordenada, resultará mais fácil fazer a cama de uma próxima vez. Porém, se se deixa de fazer a cama, a pirâmide se desacomoda e já não há tanta Interação, pois, o seguinte ato bom será um pouco mais custoso uma vez que terá menos energia interior, e dessa forma a pessoa se afasta da virtude.

E: Como pode ser abordada a Integração em sala de aula?

B: Mediante a conação. Embora esse não seja um termo familiar, é algo muito mais usado por nós do que podemos imaginar.  De uma forma sucinta, trata-se de um esquema que explica que as ações, antes de serem realizadas, ainda no interior das pessoas, passam por três momentos: um de conhecimento, outro de afeto e tomada de decisões, e um momento final que é levar essa ação à prática.

Desta forma propomos:

1º Entender, pois é difícil viver as coisas que não se compreendem.

2º Gerar emoções positivas, o que implica “encantar o aluno” naquilo que ele aos poucos vai entendendo ser bom: os alunos devem sentir esses valores como próprios e aprender a tomar decisões acertadas, por isso esse nível põe em questão o coração e a vontade.

3º Levar à prática aquilo que foi entendido e desejado/decidido: sem a ação não se completa o ciclo formativo. Por isso é necessário dar oportunidades, em classe, para que aos alunos o façam, e com isso desfrutem do prazer de fazer o bem.

E: O que ocorre quando uma educação não leva em conta todo o ciclo da conação?

B: Várias consequências. A primeira delas é que são gerados verdadeiros analfabetos afetivos, o que ocorre quando se dá demasiada atenção ao aspecto cognitivo e não se dá relevância a tudo o que se passa no universo afetivo e emocional do aluno.  Isso torna mais difícil a formação das virtudes pois tudo pode soar como demasiadamente teórico: “pode ser que eu realmente saiba o que quero, mas como me custa, não me esforço em vivê-lo.”  Há um turbilhão de sensações positivas e negativas nos jovens e crianças, mas como não se trabalha esse aspecto, não se sabe bem como lidar com isso, o que pode gerar situações de incoerência. Cito como exemplo o que ocorre com muitas pessoas que durante a semana são profissionais exemplares, mas nos finais de semana se transformam e atuam sem contenção ou limites. Não há realmente uma integração. As emoções vão por um lado e a cabeça por outro, o que acaba com a unidade de vida e dificulta o caminho para a felicidade.

Devemos estar atentos pois a solução não é eliminar a primeira parte do circuito da conação (o entender as emoções), como ocorre com alguns programas de educação emocional que lamentavelmente são muito superficiais: não esclarecem a origem e a razão, apenas se aprofundam nas emoções, e nada mais.

Por outro lado, se não se leva o aluno a praticar aquilo que foi ensinado, nada se concretiza. Quando não há concreção, se não há oportunidades no ambiente escolar para fazer o bem, todo o processo fica na teoria, não se arraiga e nem colabora para construir um caráter sólido no aluno.  

E: Como se pode conjugar a relação Colégio – Família?

B: O mais importante é que o colégio defina um projeto de educação para as virtudes e um projeto de educação das emoções, e que dê pesos iguais a ambos. À medida que colégio adquire ideias mais claras sobre o assunto, é mais fácil interagir com as famílias.  Incorporar, por exemplo, a Pedagogia da Integração da Pessoa Humana, é incorporar uma teoria global, e quando há esta ideia, é mais fácil oferecer argumentos aos pais, pedir que se envolvam, e ter uma resposta positiva por parte deles.

E: Por que são tão importantes as virtudes, especialmente nas crianças?

B: Porque as virtudes são o motor de ordenamento da própria vida. Aos alunos do Fundamental I, damos o seguinte exemplo: “Imaginem que eu fosse um robô e tivesse bastante bateria.  A cada ato bom que eu realizo minha bateria se enche de energia”. Uma pessoa virtuosa é uma pessoa com muita energia porque consegue focar sua energia vital (que inclui a emocional) em um objetivo, um fim. Os grandes gênios da história foram/ são, pessoas com foco. Digamos então que as virtudes são a forma através da qual ensinamos as crianças a ordenar sua própria vida, a canalizar sua energia para encontra sua felicidade, projetar-se profissionalmente, desfrutar mais intensamente da vida, ser mais solidário.

E: Existe agora uma geração a que chamam de “mole”, isso tem solução?

B: Esse fenômeno de debilidade que se vê em algumas crianças e jovens, se dá em parte porque a energia emocional está dispersa. É importante cuidar dessa energia, não se pode ignorá-la, mas não podemos tão pouco permitir que siga sendo dispersa, porque quem perde com isso são os mesmos jovens e crianças. Por esse motivo a educação das emoções, bem conduzida, é de primordial importância.  Hoje está em alta o tema da educação emocional, mas quando ela é contrária a qualquer outro parâmetro, se cria um desequilíbrio que abre espaço para essa geração de crianças e jovens “moles”. A solução é buscar desenvolver o caráter, para que isso dê coerência e sentido às emoções. Não se trata de reprimi-las, mas de conhecê-las e saber distingui-las. Em algumas ocasiões haverá a necessidade de acompanhar essas emoções, em outras ocasiões o ideal será postergá-las, ou inclusive sublimar as negativas e substituí-las por outras mais construtivas.  De qualquer forma está claro que hoje em dia o que se faz necessário nas salas de aula é uma educação do caráter que inclua a educação das emoções como um dos seus pilares mais importantes.

Fonte: https://www.unav.edu/web/forun/detalle-noticias/2018/04/27/%E2%80%9Clo-que-se-necesita-en-el-aula-es-una-educaci%C3%B3n-del-car%C3%A1cter-que-incluya-la-educaci%C3%B3n-emocional-como-uno-de-sus-pilares%E2%80%9D?articleId=17918806

Tradução e Adaptação: Mônica Sena

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