Quando os educadores analisam as diferentes condições socioeconômicas das famílias brasileiras, pesquisas demonstram que existem dois tipos de família: o grupo de classe média e alta, que coloca os filhos em escola particular (12%), e o restante da população, que usa a escola pública (88%). No primeiro grupo, em geral, os pais sentem-se confortáveis porque seu filho está numa boa escola, na qual confiam; e acreditam que o futuro dos seus filhos está praticamente garantido e em boas mãos. No segundo grupo, surpreendentemente, a maioria dos responsáveis também está contente com a educação oferecida pela escola pública.
Segundo pesquisa do Inep, essa satisfação é explicada em parte pelo fato de quase 60% dos pais do ensino público não terem completado nem o ensino fundamental, além de 75% nunca ou raramente lerem jornal. Além disso, quando estes pais comparam a escola da sua época com a do seu filho, tendem a associar as relativas melhorias materiais que o filho recebe atualmente com uma educação de boa qualidade.
Poderíamos afirmar, portanto, que a maioria dos pais está contente com a educação escolar que seus filhos recebem. Tantos os do primeiro grupo quantos os do segundo acreditam que a responsabilidade de lhes proporcionar uma boa educação já está cumprida e que o seu papel de educadores consistirá agora em torcer para que o tempo e a sorte lhes proporcionem uma boa oportunidade profissional. Mas será que o papel da escola deve ser só isso? Não deveria ser também o de educar para a descoberta dos valores humanos? Será que um professor quando está em sala de aula explicando o conteúdo específico da disciplina, não está transmitindo também um modo de ser para os alunos, que é reflexo de suas crenças, visões de mundo e virtudes? É razoável que a família se despreocupe da qualidade ética do professorado e do material didático que utiliza, e vigie apenas se existe um bom aprendizado? Parece evidente que valorizar mais o aprendizado científico do que o ético, ou preocupar-se apenas com o primeiro, é ignorar o que é educar integralmente e desconhecer a intrínseca relação que existe entre o aprendizado científico e o ético. Quando o modo de ser do professor não é exemplar, seja pela fala ou pela atitude, poderá provocar no aluno certa confusão na descoberta dos valores.
Pais e responsáveis não podem transferir totalmente para a escola a difícil tarefa de educar, eximindo-se da sua principal responsabilidade: acompanhar a formação integral do seu filho. Entre a família e a escola deve existir uma unidade de princípios e de valores que há que sintonizar. O que se constrói arduamente na família não pode ser destruído com uma atitude irresponsável de um professor. Os pais tem o direito e o dever de conhecer muito bem o ideário do corpo diretivo, os programas do corpo docente e os objetivos educacionais do colégio. Porém, quem acompanha de perto o quotidiano escolar, observa empiricamente que isto não é uma realidade. Muitos pais se omitem nesta tarefa, por exemplo, faltando às reuniões – principalmente quando os filhos já estão mais crescidos –, e acabam se preocupando apenas com os resultados acadêmicos, muitas vezes camuflados, confiando em que, com os raros momentos de que dispõe nos fins de semana, conseguirão formar seus filhos para a vida.
Infelizmente, outros fatores, nas últimas décadas, também têm contribuído para esta transferência da responsabilidade de educar para a escola: a necessidade dos pais de trabalhar muitas horas por dia e por vezes em locais distantes; as famílias desestruturadas, nas quais a responsabilidade de educar é sempre do outro cônjuge; uma visão incompleta da educação, valorizando mais uma colocação profissional do que a formação integral do ser humano; a cultura, dominante em várias famílias, do laissez faire, laissez passer; e, talvez de forma mais inconsciente, uma certa ingenuidade no sentido de que a criança aos poucos irá aprendendo sobre os valores éticos com o próprio processo de socialização.
Nós, pesquisadores da educação, quando averiguamos se as escolas estão assumindo esse papel de formadores, percebemos com tristeza que nem todos os agentes estão dispostos. Os fatores de desmotivação do professorado são imensos, e vão desde a falta de condições salariais, o desprestígio social, até o estado de martírio no qual se encontram muitos professores devido ao desrespeito dos alunos, à presença de alunos desmotivados, que não enxergam perspectivas futuras, e aos constantes desgastes entre seus colegas por motivos ideológicos e políticos.
Deduzimos, portanto, que o jovem atual poderá estar um pouco à deriva. É possível que, no final, quem acabe assumindo o papel de educar sejam os meios de comunicação e de informação, meios altamente manipuladores e pouco formativos. Uma grande maioria de famílias concede livremente computadores aos filhos desde tenra idade, na expectativa de dar-lhes uma ferramenta para os estudos, sem dar-se conta de que o computador, sem orientação clara e permanente sobre o seu uso, convida à dispersão, ao alheamento e ao envenenamento ético.
Concluímos, finalmente, que deve ser um direito dos pais escolher a melhor educação que desejam para os seus filhos. Alternativas novas devem surgir no cenário nacional: charter schools, cheque-escola, educação personalizada/diferenciada são soluções de sucesso que estão revigorando atualmente a educação no exterior. Mas o que importa mesmo é que os pais possam sempre responder com consciência: quem educa os meus filhos? O que se ensina? Como se educa?
João Malheiro